sábado, 15 de agosto de 2015

The Gashlycrumb Tinies – A morte pode ser engraçada

Tinies
“Não importa se você é jovem ou velho, bom ou mau, a morte é o grande equalizador. Seus hábitos, sua idade, sua personalidade, sua saúde e sua beleza… Essas coisas só fazem sentido enquanto estamos vivos.” (Sunako)
The vinegar worksTítulo: The Gashlycrumb TiniesLançamento: 1963Ilustração: Edward GoreyRoteiro: Edward Gorey
The Gashlycrumb Tinies é um livro ilustrado escrito em 1963 por Edward Gorey e que faz parte da coleção “The Vinegar Works: Three Volumes of Moral Instruction”. Nessa obra o autor recria a sua própria versão do alfabeto e descreve cada letra com uma frase. Como se estivesse alfabetizando uma criança, ele ilustrou cada situação com gravuras em preto e branco, com as quais até percebemos a voz de um calmo narrador enquanto lemos.
 O que diferencia o alfabeto de Gorey dos outros é o fato de que as frases compostas, que tem como objetivo facilitar a memorização das letras pelo leitor, fazem referência às mortes de crianças. Logo na capa podemos notar a famosa ilustração de uma figura esquelética rodeada de crianças, as quais ostentam uma expressão neutra que combinadas com o traço do autor (simples e distorcido) e as cores utilizadas (pretas e brancas, com o fundo pintado de preto, sendo a cor da capa a única que se difere, mas até esta é apagada, encardida), ganham um ar melancólico. O único que parece está achando graça é a figura que representa a morte para nós ocidentais, seu rosto descarnado expressa um sorriso eterno, como se estivesse debochando da condição das 26 personagens que não puderam escapar da sua condição humana.
corpse bride
Não é de hoje que o ser humano utiliza temáticas mórbidas em suas obras, alguns preferem abordar o lado trágico e cruel, outros preferem satirizá-las. O famoso humor negro está encalacrado na nossa sociedade e mesmo que tenha gente que não ache graça, há aqueles que fazem dele uma filosofia de vida, mas afinal quem nunca matou seus personagens do The Sims?
Desde os tempos antigos o ser humano é fascinado com a morte, por isso tentou explicá-la através da religião, da ciência, além de retratá-la em filmes, séries e livros. Mesmo que o tema apareça incessantemente ele nunca sai de moda, porque enquanto ninguém saiba para onde vamos depois da morte este mistério sempre nos fascinará.
Mas por que ela é tão engraçada? O simples fato de nascer para morrer já parece uma piada, tanto quanto o “você é imortal até que te matem” dos elfos. Todos nós estamos sujeitos ao mesmo destino, sabendo que ela pode chegar de formas inimagináveis e que para morrer basta estar vivo, alguns autores utilizam do mórbido para criar situações em que os personagens vivenciam momentos trágicos, mas por causa da maneira com a qual ele as descrevem elas acabam por tirar um sorrisinho involuntário das nossas bocas. Um exemplo disso é a música “dumb ways to die” que utiliza desses recursos para alertar aos moradores sobre as medidas de segurança dentro da estação de trem.

Edward Gorey utilizou de recursos parecidos para compor “The Gashlycrumb Tinies”, mas isso não quer dizer que seja um livro de humor negro escrachado. O sorriso culpável que garante nossa reserva ao inferno está presente na obra de forma sutil, na verdade o livro possui uma carga sombria considerável e pode não agradar os mais sensíveis. Enquanto presenciamos o desfecho mortal de cada uma das 26 crianças, Gorey nos mostra a finidade da vida e como ela pode chegar ao fim de formas tão estúpidas. Não precisa de muito para que qualquer um “parta dessa para melhor”, ao contrário do que a sociedade nos diz com o avanço da ciência, a vida continua finita e muito frágil.
Gorey não tem o menor pudor de mostrar isso no seu livro e por isso nos causa desconforto… desconforto não por causa das situações extremas em que alguns morrem, mas pelas causas estúpidas que nos são descritas. Quando somos expostos a isso nos sentimos desconfortáveis, mas também ficamos incrédulos com os caprichos da vida e daí vem o sorriso, ele não vem de um prazer e sim da lembrança tão desagradável de que não somos eternos e que um dia também estaremos debaixo do chão. Esse sentimento tem o seu auge quando chegamos na página final e lemos a frase “O fim?”. Mesmo o “mal entendedor”, ao ler irá sentir um frio na espinha, se perguntará “serei eu o próximo?” Se você ficou curioso com o alfabeto, poderá lê-lo em português nesse post graças a tradução do Lucas Souza.The-Gashlycrumb-Tinies-AThe-Gashlycrumb-Tinies-BThe-Gashlycrumb-Tinies-CThe-Gashlycrumb-Tinies-DThe-Gashlycrumb-Tinies-EThe-Gashlycrumb-Tinies-F The-Gashlycrumb-Tinies-GThe-Gashlycrumb-Tinies-HThe-Gashlycrumb-Tinies-IThe-Gashlycrumb-Tinies-JThe-Gashlycrumb-Tinies-KThe-Gashlycrumb-Tinies-LThe-Gashlycrumb-Tinies-MThe-Gashlycrumb-Tinies-NThe-Gashlycrumb-Tinies-OThe-Gashlycrumb-Tinies-PThe-Gashlycrumb-Tinies-QThe-Gashlycrumb-Tinies-RThe-Gashlycrumb-Tinies-SThe-Gashlycrumb-Tinies-TThe-Gashlycrumb-Tinies-UThe-Gashlycrumb-Tinies-VThe-Gashlycrumb-Tinies-WThe-Gashlycrumb-Tinies-XThe-Gashlycrumb-Tinies-YThe-Gashlycrumb-Tinies-ZEdward Gorey
(O fim? “Oh raiva! Oh desespero!”)

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