Não que eu esperasse que tudo isso estava prestes a acontecer. Mas logo que entreguei o dinheiro à atendente na loja de games, apertando o jogo enrolado numa bolsa nas minhas mãos, percebi que algo não estava certo. Não soube explicar no momento. Além do mais, o novo Tomb Raider estava na minha lista de sonhos a serem realizados desde o lançamento do seu primeiro trailer, em 2011. Mas simplesmente não me senti bem. Apesar do mau pressentimento, não me importei. A preocupação logo fora substituída pela excitação de jogar. Voltei correndo para casa e, ao chegar, pus o jogo dentro do Playstation 3, recolhi o Sixaxis e, na aba Jogos, selecionei o ícone do game. A primeira coisa estranha veio daí.
Há muito tempo eu já vinha assistindo gameplays no Youtube, e eu sabia muito bem qual era a imagem que dava entrada ao jogo ainda na XMB do PS3. Se tratava de uma imagem artística mostrando Lara estática, com a mão esquerda segurando um ferimento presente no braço direito, com um arco e flechas presos nas suas costas e, logo atrás dela, havia uma espécie de entrada de caverna que era atingida por ondas fortes. Porém, essa não era a entrada que havia no meu jogo. Ao invés da que eu falei, havia a famosa imagem (que nem de longe estava em 1080P) mostrando Lara olhando para a câmera, suja e cheia de machucados no rosto, logo mostrando a ilha de Yamatai ao fundo. Para a minha surpresa, porém, senti algo de diferente no olhar dela a mim. Era algo mais intimidante, assustador. De uma hora para a outra, meu coração acelerou, e um medo inexplicável começou a florescer dentro de mim.
Procurando não me importar com o que vi, tentei imaginar que aquele talvez fosse um erro no meu jogo específico, ou simplesmente alguma edição especial da qual eu não estava a par da existência. Pressionei o botão X, logo então sendo levado para dentro do jogo. A tela da minha LED 32 polegadas escureceu. As apresentações iniciais mostrando as logomarcas da Nixxes, Crystal Dinamics e outras marcas envolvidas na criação do game apareceram normalmente, com os típicos flashes com a imagem da ilha atrás. Tudo estava igual ao que eu vira nos gameplays, com exceção de outro nome quase no limite inferior da tela, escrito em uma fonte extremamente chula: “DREAM WITH US”. “Sonhe conosco”? Que tipo de empresa era essa? Algum tipo de promoção patrocinada pela Crystal? Não parecia nada oficial, julgando pelo estilo de escrita.
Ignorando, continuei adiante e, ao chegar no menu inicial, decidi ir à barra de opções. Ajustei as configurações de jogo, de tela e de áudio. Entretanto, levei um susto ao ver que outra opção estava abaixo da última: “Opções Bônus :O”. Estava escrito exatamente assim, com uma carinha de surpresa ao lado. “Mas que merda é isso?” – pensei, franzindo a testa. Selecionei a opção e, dentro daquela pasta, havia somente uma frase, escrita nas mesmas fontes chulas de antes: “Modo Nightmare”, seguido das opções “YES” e “NO”. Minha curiosidade levou-me, apesar do medo que estava sentindo, a mudar do NO para o YES. Voltei ao menu principal, iniciei um jogo novo. A apresentação inicial não apareceu.
“O quê?!” – eu praticamente gritei. O jogo pulou para parte onde Lara se afogava no mar depois do naufrágio. Assim como aconteceu no Youtube, ela chega à praia, tosse, grita por ajuda e o homem a ataca, fazendo-a desmaiar. Apesar do corte, senti um alívio, por perceber que pelo menos aquilo ainda estava presente.
Lara é, como o usual, arrastada pelo chão de ossos, até ser pendurada por uma corda. Acredite em mim, eu me esforcei para trazer de volta a excitação, a alegria que sentia antes de sair de casa para comprar o jogo. Não consegui. Ao contrário, meu coração batia cada vez mais desesperadamente.
Puxei Lara de um lado para o outro até queimar o cadáver pendurado ao lado e, depois, fiz ela queimar o lençol que a prendia. Ela cai por cima do parafuso, aperto o botão do quadrado repetidamente até que consiga arrancá-lo. A parte pareceu mais violenta pra mim. Não duvido de ter visto pedacinhos de carne voando pelo ar, algo que o jogo supostamente normal nunca sonharia em ter.
Segui com Lara adiante, até que encontro o cadáver sacrificado, mas algo de diferente havia nele.
A mulher ali pendurada estava com sua barriga aberta. As tripas caíam como se fossem macarrões molengas recém-cozidos. O sangue também escorria nas velas, o que fazia com que o ambiente estivesse iluminado por uma cor carmesim. Não me lembro o quanto, mas me arrisco a dizer que passei uns 2 minutos sem mexer nenhum controle, apenas observando aquilo. Pensei em começar a chorar e gritar pela minha mãe que estava no andar de baixo, mesmo já tendo 16 anos. Como se não bastasse, meus ouvidos soados começaram a ouvir sons de tambores vindos do jogo. Batidas extremamente macabras vinham do corredor cavernoso à minha direita. Fui adiante.
Empurrando o analógico esquerdo levemente para que ela andasse de uma forma mais lenta, fui avançando, até chegar em uma área horrivelmente bizarra.
Um grupo de pessoas vestindo-se como canibais sangrentos rodeavam uma pedra arredondada. Deitada na pedra, estava o que parecia ser Sam, a amiga japonesa de Lara. Naquele ponto, não restavam dúvidas de que aquele jogo não era o original.
A área – que era enorme, fazendo com que eu não conseguisse ver os arredores – possuía gráficos muito estranhos e baixos, totalmente o oposto dos gráficos incríveis do Tomb Raider que eu vi no Youtube em HD. O controle tremia. Não era o vibratório automático do Sixaxis, e sim, minhas mãos geladas e úmidas que pareciam balançar desesperadamente.
Não precisei mexer em nada. Os homens com roupas avermelhadas primeiramente tomaram facas. Depois, começaram a crava-las na barriga de Sam, espalhando sangue para todos os lados. A menina gritava de uma forma tão horrível que eu duvidei que aquele som vira da dubladora original. E, obviamente, isso não fora tudo.
Quando tentei mexer o corpo de Lara Croft, ela simplesmente ficava parada, não obedecia aos meus comandos. Ela somente gritava o nome da amiga muitas e muitas vezes. Senti-me horrível, com vontade de vomitar, de jogar o videogame com o jogo dentro direto pela minha janela, mas o medo simplesmente me travou. A esse ponto, percebi que já estava chorando. Algo então saiu do corpo aberto de Sam, uma criatura enorme vermelha parecendo o Diabo: tinha chifres pretos e olhos profundos e pretos, que fitavam-me intensamente. A boca soltava um sorriso macabro, e os seus dentes eram roxos. O corpo era muito musculoso, ele possuía pernas de bode marrons e tudo nele estava coberto de sangue. O monstro matou a todos os que estavam rodeando-o e, imediatamente, ele apareceu na frente de Lara, tomou-a em suas mãos e começou a dilacera-la, arrancando seus membros de um por um e, logo depois, comendo cada um deles. Após fazer o seu trabalho, ele olhou para mim, diretamente aos meus olhos.
Ele correu até a câmera do jogo dando um grito satânico que era ensurdecedor e, por um momento, eu imaginei tê-lo visto na minha frente, bem ali, no meu quarto.
...
Fiquei paralisado por uns 10 minutos. Chorava ao ponto de parecer aquelas criancinhas de 5 anos quando se perdem dos pais. Eu estava numa posição defensiva, com as mãos tapando os ouvidos e pingando de suor. Vendo que não havia nada no quarto, corri até o PS3 (que agora estava simplesmente desligado), puxei o jogo de dentro violentamente, coloquei-o dentro da capa e saí de onde estava, descendo as escadas. Minha mãe, vendo o meu estado, perguntava o que estava acontecendo freneticamente. Eu, soluçando, disse a ela que iria devolver o jogo. Ignorando mais perguntas e pedidos de espera, corri em direção ao centro da cidade.
As ruas estavam completamente vazias. Não vi ninguém, nem mesmo algum cachorro ou carro passando por lá. Mas não me importei. Tudo que eu queria era devolver aquela porcaria de jogo. De repente, o céu se fechou, e uma chuva fortíssima acompanhada de trovões começou a cair. Uma neblina, lentamente, formava-se a minha frente, e eu não conseguia ver nada, com exceção das placas que levavam à localização da loja.
Acho que passei, no mínimo, uns 30 minutos andando feito uma barata tonta, me perdendo pelas ruas que pareciam trocar de lugar constantemente. Eu já estava encharcado, e não sabia se o que caia do meu rosto eram lágrimas ou gotas chuvosas. Ou, quem sabe, os dois. Quando já estava prestes a jogar o jogo da minha mão e quebra-lo ali mesmo, vi que a loja estava do outro lado da rua. Fui, então, correndo até lá, atravessando a rua na esperança de sorrir mais uma vez. Foi quando o carro me atropelou, e eu não senti mais nada a partir daí.
Antes de vir para o hospital onde estou agora, lembro-me de ter visto um garotinho de uns 13 anos surpreso olhando para mim, quando visualizou o Tomb Raider, simplesmente intacto caído ao chão. Ele tomou o jogo e sorriu. Não sei se foi um sonho, mas acho que eu comecei a gritar ao garoto, mas logo desmaiei.
Quando retomei à consciência ontem à noite, recebi a notícia de que ficaria pelo resto da vida sem mover minhas pernas. Mas estava feliz, principalmente quando vi minha mãe sorridente ao meu lado, porque sabia que estava vivo e ficaria bem.
Quando melhorei mais, pedi o notebook dela, pus no Google e teclei na barra de pesquisa: “DREAM WITH US”. Não encontrei nada a não ser papéis de parede e sites de lojas de bolo. De repente, lembrei-me do TOR, navegador usado para entrar na Deep Web. Depois de pesquisar o mesmo nome, acabei encontrando informações sobre uma entidade terrorista conhecida por sequestrar pessoas pobres para realizarem rituais satânicos. A polícia ainda não havia encontrado o bando.
Quando minha mãe saiu do quarto dizendo que iria chamar a enfermeira, eu liguei a TV da sala. Comecei a chorar quando vi a notícia de que um menino de 12 anos se suicidara pela tarde. Um videogame ligado com o game Tomb Raider era a única pista que os policiais tinham para a investigação.
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